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29.5.11

Pirataria na Somália: Afinal Quem são os Piratas?


Pirataria na Somália:
Afinal Quem São os Piratas?

Por vezes somos levados a tomar partido de certas opiniões ou informações que são veiculadas.
Acreditamos nelas simplesmente porque nada nos faz acreditar que sejam falsas.
Nada nos leva a supor que alguém nos queira enganar deliberadamente.
Por isso é natural acreditarmos que na Somália, país do nordeste africano banhado pelo oceano Índico, existam piratas com o único intuito de perturbarem a vida de pessoas honestas, assaltando-as e espoliando-as dos seus preciosos bens: pescado e cargas transportadas por navio.
Acontece que hoje, da forma como a nossa sociedade vive, e por aquilo que se pretende da vida, não somos honestos naquilo que dizemos. As “verdades” que dizemos aos outros, quando contêm algo de verdade, são-no apenas parcialmente, podemos até chamar-lhes meias-verdades.
Há sempre um fito, um intuito, e o objectivo é tirar-se alguma vantagem daquilo que se diz.
Assim, tratemos então de saber o que está verdadeiramente a acontecer na Somália com os seus piratas e o que afinal nos andam a contar…

Vídeo: Piratas! Legendado em português

(Para aceder às legendas em português,se não surgirem automaticamente,será necessário clicar no botão  CC 
na margem inferior direita do vídeo)




Tradução do Vídeo:


Intrépidos, aventureiros, sedutores, românticos e também um pouco desordeiros.

As histórias de piratas têm-nos cativado desde sempre na literatura, no cinema e na televisão. A pirataria é tão antiga como a navegação.
Mas, o que é um pirata?
Um pirata é bandido que se dedica ao roubo e ao saque nos mares, apropria-se do que não lhe pertence e fá-lo fortemente armado e à margem da lei. Por vezes contam com a protecção dum estado ou duma nação e actuam em seu nome sob o que antes se denominava Carta de Corso, em tal caso se denominavam corsários.

 […] (notícias)

Actualmente a pirataria na Somália é primeira página dos meios de comunicação, mas, existirá tal pirataria? Em que consiste? E quem são realmente os piratas? Para sabê-lo será necessário recuar até às origens…
A Somália foi colonizada no séc. XIV pela Itália e pela Inglaterra. Conseguiu a sua independência em 1960, mas o Governo democrático dura tão-somente 9 anos. Em 1969 o ditador Mohamed Siad Barré cria um golpe de estado e torna chefe do Governo. Consegue esse feito com o apoio incondicional dos EUA. E não em vão, graças ao ditador as principais empresas petrolíferas norte-americanas conseguem importantes contratos para explorarem o petróleo existente no país. Situada no Corno de África, a Somália, ocupa uma posição geo-estratégica fundamental para as rotas de transporte marítimo que unem a Europa e a Ásia. Mais de 20 mil cargueiros cruzam as suas águas pelo Golfo de Aden transportando mais de 10% do comércio mundial. E por aí transita, também, grande parte do petróleo extraído no Médio Oriente. Desde há muito tempo nações regionais e potências estrangeiras disputam o país como ponto estratégico das rotas do transporte marítimo. O mandato militar de Siad Barré prologa-se até 1988, quando o movimento nacional somali se revolta contra a sua ditadura. A insurreição dá lugar a uma sangrenta guerra civil que se prolonga até 1991, ano em que Siad Barré se vê obrigado a abandonar o poder e fugir do país. Mas a sua partida não lhes trouxe a paz. Perante o vazio do poder vários clãs combatem entre si para tomarem o controlo do país, o que tem impedido a existência dum Governo estável até hoje. A guerra civil trouxe consequências devastadoras para a população somali: mais de 300 mil mortos, um milhão e meio de refugiados e uma terrível situação de fome que assola todo o país agravada por uma pertinente seca. Hoje em dia ao frágil Governo apenas lhe escapou conseguir o controlo da capital. Os confrontos entre as diferentes facções são constantes, a violência, o caos e a anarquia reinam nas ruas da Somália. É considerado o país mais perigoso do mundo.
Aproveitando esta situação caótica sem controlo nem Governo uma enorme quantidade de embarcações pesqueiras procedentes de vários países dedicam-se à faina sem licenças frente às costas da Somália, incluindo as suas águas territoriais. Estes barcos procedentes dos EUA, Ásia e União Europeia praticam uma pesca denominada IUU: Ilegal, Não Declarada, Não Regulada. A sua incessante e descontrolada actividade, usando redes de pesca proibidas noutras regiões do planeta, está a acabar com as reservas piscatórias de um país que carece de autoridade e de meios para proteger as suas costas. Actualmente, mais de 800 barcos de diversos países pescam nesta zona. Estima-se que os lucros anuais gerados pela pesca ilegal ascendam a mais de 450 milhões de dólares.
A pesca do atum verificou um vertiginoso e insustentável aumento nos últimos 10 anos. Somente a frota espanhola com 60% das capturas e a francesa com 40% já retiram das águas da Somália 500 mil toneladas anuais daquela espécie. As frotas pesqueiras das grandes potências, com a UE à cabeça, contribuem desta maneira para empobrecer uma das regiões mais miseráveis do mundo. Roubam a principal fonte de proteína da sua população e terminam com a forma de vida e sustento dos pescadores locais. Desta forma se condena, sem solução, um frágil país que agoniza e morre de fome.
Desde 1990 a comunidade somali tem protestado constantemente junto da ONU e perante diversos organismos internacionais. Os seus protestos não têm sido nem escutados nem atendidos.
O grupo de supervisão, das Nações Unidas, para a Somália também tem constatado e alertado nos seus relatórios sobre a depredação sistemática da fauna levada a cabo por frotas pesqueiras estrangeiras. E a ONU tampouco atende os seus supervisores. Não tem feito absolutamente nada para impedir tal saque!


Mas o pesadelo não termina aqui. Desde a queda do Governo em 1991 outros barcos começam, também, a aparecer na costa da Somália, a sua actividade é, ainda, mais misteriosa, os barcos entram nas suas águas territoriais, lançam barris ao mar e vão-se embora. Esta actividade suspeita alarma os pescadores somalis, os quais tentam dissuadir os cargueiros que afundam os barris. Mas não têm êxito, os lançamentos à água continuam durante 14 anos.

Foto-Link

O conteúdo destes barris é um mistério até finais de 2004, ano em que um terrível maremoto afecta o sudeste asiático. Quando o tsunami chega à Somália centenas de barris são arrastados para a costa. Os barris rompem-se, surgem fugas, o conteúdo é derramado e acaba nas praias. Os habitantes locais começam a adoecer com infecções das vias respiratórias, hemorragias intestinais, estranhas reacções químicas na pele e mais de 300 mortes repentinas causam alarme entre a população.
Ao fim de algum tempo começam a nascer crianças com malformações e diversas doenças.
Nick Nuttall, porta-voz do Programa do Meio Ambiente da ONU, explicou que quando os recipientes se romperam com a força das ondas os contentores trouxeram à luz uma actividade espantosa. A Somália está a ser utilizada como lixeira de resíduos perigosos desde o início dos anos 90, e continuou com a guerra civil que eclodiu nesse país. O lixo é de muitos tipos. Há resíduos radioactivos de urânio, o lixo principal, e metais pesados como cádmio e mercúrio. Também há lixo industrial, lixo hospitalar, resíduos de substâncias químicas e tudo o que desejar enumerar. O mais alarmante aqui é que se está a descarregar lixo nuclear. E o lixo radioactivo está potencialmente a matar o povo somali e está a destruir totalmente o oceano. Ahmedou Ould Abdallah, representante especial da ONU na Somália, declarou à rede de televisão Al-Jazeera que as descargas de lixos tóxicos continuam realizar-se actualmente. O diplomata afirmou que possuía informações fidedignas de que são empresas europeias e asiáticas as que estão a descarregar químicos tóxicos e resíduos nucleares nas costas da Somália. Sim, a ONU enviou representantes para confirmarem a catástrofe, e, sem mais, se encerrou o capítulo…
Até ao momento não houve um só julgamento, detenção ou condenação por estes actos criminosos.
E isto não ocorre apenas na Somália, as águas de outros países africanos como a Costa do Marfim, da Nigéria, do Togo ou Benim também são usadas como lixeiras tóxicas pelos países industrializados.
Só no ano 2001 chegaram a África 600 mil toneladas de resíduos tóxicos. O continente africano acabou por converter-se na lixeira dos resíduos radioactivos gerado pelos países ricos.
Um país devastado que morre de fome. Os países ricos correm para lhes retirar a pesca e de caminho contaminar as suas águas com lixo tóxico e nuclear. Este é o contexto em que surgiram os homens que alguns meios de comunicação denominam como piratas.
Perante esta situação de absoluta indefinição alguns pescadores reagem de maneira desesperada. Começam a formar pequenos grupos armados e usando lanchas rápidas tentam orientar as embarcações pesqueiras estrangeiras e dissuadir os navios que descarregam resíduos nas suas águas.
Há muito anos costumávamos pescar muito. O suficiente para comer e vender no mercado. E, depois chegaram os navios estrangeiros da pesca ilegal, que muitas vezes deixam produtos tóxicos que destroem as reservas piscícolas. Não tive alternativa…”


Denominam-se a si mesmos guardas costeiros voluntários da Somália, e contam com o total apoio da população local. Segundo uma sondagem 70% da população somali apoia esta actividade como uma forma de defesa das águas territoriais do país. Um dos seus líderes Sugule Ali explicou os seus motivos: “Colocar fim às pescas ilegais e às descargas nas nossas águas. Não nos consideramos bandidos do mar. Consideramos que esses são aqueles que pescam ilegalmente e descarregam lixo”. Mas juridicamente ninguém os leva a sério.
As frotas pesqueiras estrangeiras prosseguem a sua faina impunemente e os derrames tóxicos continuam.
Tendo em conta que tudo isto ocorre num país pejado de armas e dividido em facções rivais, a estes pescadores começam como simples combatentes e terminam convertendo-se em grupos fortemente armados. Participam num lucrativo negócio na captura de barcos e exigência de resgates. Quando começam a sequestrar navios a zona vai-se isolando e as frotas estrangeiras deixam de chegar com tanta frequência.
As grandes potências vêem agora ameaçados os seus lucrativos negócios pesqueiros e vêem-se privados das suas particulares e muito económicas lixeiras de resíduos tóxicos e nucleares.
A ONU que tem ignorado sistematicamente as reclamações somalis ouve os países agora afectados por estas acções. Espanha e França, países com importantes frotas de pesca, na zona, encabeçam a petição duma reacção militar conjunta. Desta maneira nasce a Operação Atalanta.
A missão dispôs inicialmente de oito navios de guerra, barcos de abastecimento e aviões de reconhecimento e vigilância.
Depois do fracasso inicial da operação aumenta-se a dotação com mais 20 navios e 1.800 militares. O custo estimado para o Governo espanhol ascende a mais de 6 milhões de euros por mês. A segurança privada dos atuneiros galegos e bascos ascende a 500 mil euros por mês. O Governo espanhol assegura metade destes custos servindo-se do Orçamento Geral do Estado.
Recordemos a definição de pirata: roubam no mar apropriando-se do que não lhes pertence. Realizam as suas acções fortemente armados. E em certas ocasiões contam a protecção dum Estado ou nação.
Mas, por que razão pescam ali estas frotas? Por acaso não poderão fazê-lo nas suas águas territoriais? Nos seus mares? NÃO. E a razão é terrível, já nada resta para pescar, arrasaram e esgotaram com todo o pescado. Os países ricos exterminaram toda a vida marinha dos seus próprios mares. Os sistemas de pesca dos países capitalistas foram industrializados. Os ecossistemas marinhos são explorados até ao limite com o objectivo de maximizar os seus benefícios. Destrói-se a capacidade de regeneração das espécies marinhas, rompe-se a cadeia alimentar e extinguem-se as espécies. Segundo denúncia da Greenpeace Internacional pelo menos ¼ de todas as criaturas marinhas capturadas são devolvidas ao mar, mortas. Baleias, golfinhos, albatrozes, tartarugas são o que a indústria pesqueira denomina, levianamente, capturas adversas. Desde o Mar do Norte ao Golfo da Biscaia, ao Cantábrico e ao Mediterrâneo tem-se esgotado e destruído a vida da maioria das espécies.
O professor de história do Pensamento Político, José Carlos García Fajardo, afirma: “Por isso as nossas frotas europeias foram em busca das ricas fontes de pesca em África, América Latina e Ásia. Em muitos países serviram-se de governantes sem escrúpulos; da falta de meios para defender a pesca nas suas próprias águas; ou de falsas empresas mistas criadas para esgotar as suas riquezas”.
No ano 2006, tratando de proteger os seus recursos naturais, o Senegal deixa de renovar os seus acordos piscatórios com os países da União Europeia. Mas, parece impossível deter as frotas pesqueiras capitalistas. Estas, contornam as leis criando empresas mistas, comprando licenças a outros países e usando bandeiras de conveniência.
Actualmente, através da internet, pode comprar-se uma bandeira de conveniência em poucos minutos e por menos de 500 euros. No Senegal os barcos de pesca deixaram de ser úteis para a sua finalidade original, e agora são usados para transportar emigrantes que procuram um futuro melhor em países europeus., paradoxalmente, nos mesmos países que lhes roubaram o seu futuro. Na Somália os barcos deixaram de ser úteis para a pesca e agora são usados para a pirataria. A Cimeira Global dos Oceanos decretou que 75% das áreas de pesca mundial já desapareceram. A FAO também alertou que 80% das reservas de pesca mundiais são sobre-explorados e 30% das espécies marinhas se encontram abaixo do limite biológico de segurança.
Por tudo isto, diversos estudos científicos calculam que no ano 2048 já se terão esgotado todos os recursos piscatórios do planeta…

Tradução: João Galizes

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