COMIDA LIMITADA
Sei que é difícil
atrair a atenção dos leitores para um assunto como este: "sementes".
Mas das sementes e da liberdade de as plantar depende uma boa parte do nosso
futuro porque 75% da biodiversidade agrícola foi extinta no século XX e as
coisas não vão ficar por aqui. O esmagador poder financeiro da indústria
química quer multiplicar leis, por todo o Mundo, para impedir os agricultores
de serem livres de usar as sementes não certificadas nas colheitas seguintes. A
espiral é terrível: quanto menor produção agrícola com sementes ancestrais,
pior comeremos.
Num filme notável
chamado "Food Inc." (Comida, Lda.) os autores mostram, por exemplo,
como a multinacional Monsanto consegue perseguir e levar à falência vários
produtores rurais. O argumento é simples: se no campo deste agricultor houver
plantas cultivadas com sementes Monsanto e ele não for cliente da empresa, é
processado por estar a usar sementes patenteadas, mesmo que elas tenham sido
propagadas pelo vento e estejam misturadas com as suas. A natureza passou a ter
'dono'.
A Monsanto é a mais
importante empresa mundial produtora de transgénicos. Atrai os agricultores
através de um marketing aliciador de melhores colheitas. Mas os alimentos
obtidos a partir de sementes alteradas laboratorialmente, cujo ADN não é
compreendido pelos organismos humano ou animal, arrastam interrogações que não
compreendemos antecipadamente. Foi assim que se alimentaram herbívoros com
rações à base de carne e se rompeu uma lei da natureza. Esta experiência foi um
dos motivos apontados para o surto da doença das vacas loucas.
As culturas
transgénicas estão já na mesa de pessoas de todo o Mundo. Surgem em coisas tão
importantes como a alimentação dos bovinos (por exemplo, na carne importada do
Brasil ou da Argentina), na soja, arroz, milho ou em algo tão simples como o
mel produzido por abelhas próximas de campos transgénicos. Um relatório da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dizia
recentemente que a maioria dos alimentos consumidos no mundo ocidental provém
apenas de 12 espécies de plantas e cinco espécies de animais, apesar de terem
sido catalogadas milhares de espécies comestíveis. Pior: arroz, trigo e milho
constituem 60 por cento da alimentação humana, sendo estes, na sua esmagadora
maioria, provenientes de sementes tão apuradas que o nosso corpo já não 'lê'
estes alimentos como "arroz", "trigo" ou "milho".
Obviamente nem vale a pena falar da 'fast-food' ou da comida industrial.
Cristina Sales, uma
médica que o Porto tem a sorte de ter por perto, escreve há vários anos sobre o
caos da alimentação moderna e percorre o Mundo como oradora em conferências com
este tema. E o que diz? "O nosso corpo tem um histórico de milhões de anos
na absorção dos alimentos e está cada vez mais incapaz de reconhecer o que
come. Não tem as enzimas necessárias à sua digestão e metabolismo. Por isso gera
uma reação inflamatória contra os alimentos porque os considera 'elementos
estranhos', como se fossem tóxicos. Essa é uma das razões porque tanta gente
aumenta de peso ou de volume: porque retém líquidos nesse processo
inflamatório. E isso afeta todas as pessoas, incluindo as magras".
Jude Fanton, da
organização "Seed saver (Salvar as Sementes)" disse há meses ao
programa Biosfera, da RTP2 (com o qual trabalho) uma coisa simples: "Se
nos recordarmos do sabor da comida dos nossos avós - as maçãs, os vegetais,
etc. - eles tinham um sabor verdadeiramente forte e intenso. Isso significa
mais nutrição. Essa é talvez a razão pela qual estamos a engordar. Temos de
comer cada vez mais para conseguir os nutrientes de que precisamos".
A ditadura agrícola e
alimentar é este louco processo de quebrar as regras da natureza em busca de
mais rentabilidade. Se fecharmos os olhos à origem dos alimentos, contribuímos
gradualmente para uma vida cada vez mais tóxica. Essa perda de 'liberdade de
escolha' e 'biodiversidade essencial' afeta o ADN humano que não deveríamos
alienar numa só geração. Além disso, replica o modelo económico que
supostamente queremos combater: os lucros ficam com as grandes multinacionais e
as doenças em cada um de nós.
Fonte - JN Online
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